Sr.
presidente do senado, srs. senadores e senadoras
Sou um médico psiquiatra e
psicoterapeuta analítico, mas sobretudo me sinto um cidadão brasileiro. E é
nessa condição que apresento aos srs. elementos de contribuição para
aperfeiçoar as leis que orientam a segurança pública no país. A partir de 1972
venho coletando e organizando anotações que, baseadas em fatos reais, ocorridos
no dia-a-dia da vida dos brasileiros e de outros povos, veiculados pelas
mídias, me permitiram elaborar conceitos com base na utilização de
conhecimentos científicos e não-científicos que me facilitam hoje atuar com
segurança no plano do comportamento violento, tanto no consultório como no
nível das instituições.
Confesso que no início meu
objetivo era o de compreender claramente fatores causais que mobilizassem
comportamentos violentos na área da saúde mental, que eu classifico como
“comportamentos reativos”. Devo dizer que quando percebi que a mera visão
médica do problema não se mostrava satisfatória para analisar fatos reais e,
muitas vezes, confundiram minhas observações, decidi elaborar um método mais
abrangente que não comportasse apenas o acervo científico convencional, mas
todo conhecimento que pudesse contribuir com uma compreensão mais clara e
também pudesse ser simples para facilitar sua aplicação prática, não somente na
área médica, mas em toda situação onde as relações humanas se produzem. Acredito
que consegui ter uma visão ampla e multiculturalista dos comportamentos
violentos e, com isso, ter maior facilidade para compreendê-los no âmbito
individual, familiar e social. Hoje acredito que é com base nessa interconexão
que os comportamentos reativos (violentos) se manifestam na convivência e compõem o que chamamos de “problemas de
segurança pública”.
Afirmo que é nessa
interação dos níveis (individual, familiar e sociocultural) que os
comportamentos se produzem e se manifestam. É desses indivíduos, dessas
famílias e da forma de construir suas verdades e crenças, ou seja, da sua
arquitetura cultural, que se organizam seus hábitos e costumes, suas normas e
leis, que tentam equilibrar sua convivência.
Erros de abordagem
Sr
presidente, srs. senadores e senadoras, considero aqui alguns erros de abordagem que
dificultam o caminho de quem pretende compreender as situações do comportamento
e dos interesses pessoais e de grupos, que se entrechocam na convivência
social. Passo a enumerá-los:
- O sentir e o pensar individual e coletivo:
Costumo
ver as sociedades humanas, na evolução histórica da humanidade, sob dois
padrões diferentes e opostos segundo as formas de sentir, pensar, agir e
conviver. As que não foram influenciadas pelo processo civilizatório e as que
seguiram esse caminho no decorrer do tempo. As primeiras costumo chamar de
“sociedades naturais”. São as que não se afastaram do convívio integrado com a
Natureza e que evoluíram priorizando a figura humana e a qualidade das suas
relações. As que foram influenciadas pelo processo civilizatório – que chamo de
“sociedades domesticadas dependentes” – não priorizaram a figura humana e a
qualidade das suas relações, invertendo suas relações e valores sociais.
As
“sociedades naturais” não evoluíram científica e tecnologicamente, não produzem
e nem acumulam bens de consumo. Essas sociedades, muito bem representadas pelos
índios brasileiros não-aculturados, acreditam que seus sentimentos, seus
princípios, sua religiosidade e seus valores essenciais residem num eixo
cultural que abriga as tradições ancestrais de convívio pacífico e respeito
sagrado a Natureza. Elas elegeram e usam, para manter a violência fora da
convivência diária, padrões de sentir, pensar, agir e conviver coletivos. Não
existem chefes que mandam e nem leis que obriguem nas sociedades naturais. O
sentir e o pensar coletivo, com fortes raízes presas ao bom senso, prescindem
dessas necessidades, próprias das sociedades que organizam os indivíduos em
classes e posições sociais hierárquicas. Que confundem conceitos de
desenvolvimento e progresso com produção de objetos e armamento bélico.
As
“sociedades domesticadas dependentes”, que muitos chamam de “sociedades
civilizadas”, seguiram caminho oposto. É visível que, nas sociedades que se autointitulam de civilizadas, o sentir e o pensar
coletivo foram substituídos por formas de sentir e pensar individual ou de
pequenos grupos com base em interesses materiais e de poder, para competir com
outros grupos também materialistas. O respeito sagrado pela Natureza foi
substituído pelo conceito de Natureza como “fonte de riqueza e poder”.
O
realismo e a ausência de onipotência nas sociedades naturais as informa que a
economia da natureza é de todos, é esgotável e se limita ao planeta. As
sociedades domesticadas dependentes, pelo modo como seus indivíduos se
comportam, acreditam que a biosfera é inesgotável, que seus bens devem ser
disputados pelos mais fortes e que é possível conquistar outros planetas para
explorar sem limites suas supostas riquezas. A natureza das ações humanas nas
sociedades civilizadas é preponderante exploratória.
A lógica que me fez denominar as sociedades civilizadas
como “sociedades domesticadas dependentes”, e as outras, como “sociedades
naturais”, se baseia na constatação de que uma e outra se diferenciam a partir
de suas estruturas econômicas e psicológicas. Certa vez me perguntei de onde se
originam e como são partilhados os bens de consumo produzidos para a
sobrevivência dos indivíduos a elas pertencentes. Nas primeiras acredito que o
meio ambiente funciona como o supridor de alimentos e materiais para a
confecção de implementos e utensílios que facilitam a vida, um verdadeiro
supermercado natural que possui tudo o que é necessário para as condições de
sobrevivência básica. Também percebi que o individuo nessas sociedades se sente
em liberdade plena pelo fato de poder dominar a tecnologia necessária para
sobreviver como: caçar, pescar, coletar ou preparar a terra para o cultivo. Sua
liberdade é apenas limitada pelas normas de convivência do grupo baseadas em
suas crenças, mas em compensação lhe dá a certeza de não ser totalmente (mas
apenas parcialmente) dependente. Isso lhe dá uma grande tranqüilidade. Também
sabe que pertencendo a um grupo que age coletivamente e seguindo suas
tradições, sua vida ficará muito facilitada.
Nas “sociedades domesticadas dependentes”, percebe-se que
o individuo se sente dependente do emprego, do dinheiro, das instituições e das
mudanças internacionais que interferem nas economias do mundo globalizado. Sua
economia faz parte de um outro universo diferente, cuja base não é mais a
natureza. Não pode e não aprendeu a retirar da natureza os meios necessários
para o seu sustento porque a natureza já não faz parte da sua rotina diária. E
tornou-se concreta e psicologicamente dependente das ações de outros indivíduos
que não pensam coletivamente. Domesticado porque aprendeu a obedecer e não a
pensar com liberdade. Estará sempre sujeito aos grupos que defendem interesses
com os quais muitas vezes não concorda, mas contra os quais não pode reagir
pela sua condição de dependente. O homem civilizado está condenado a obedecer,
a se sentir impotente e, portanto, a se sentir reativo. Sua reatividade se
origina de suas insatisfações e freqüentemente são expressadas por
comportamentos reativos violentos.
Aspectos
políticos, econômicos, sociais e religiosos dos dois grupos de sociedade são
diferentes e geram resultados diferentes no comportamento individual. Uma das
diferenças reside na manifestação do comportamento violento no interior delas.
Vale a pena compreender porque não existem “problemas de segurança pública” nas sociedades naturais.
Não é meu objetivo aqui
aprofundar demais o assunto sobre qual é a melhor forma de organização social,
srs. senadores e senadoras. Minha pretensão é compreender e analisar diferentes
fatores que influenciam no aparecimento do fenômeno da violência, tomando como
base a evolução histórica das sociedades e também a sua evolução atual. Num
trabalho intitulado A Origem da Violência, detalho de forma simples e
compreensível aspectos desse tema.
- Visão estilhaçada dos fenômenos sociais:
Costumamos ver,
organizar e analisar problemas da convivência como se fossem livros em uma
estante (a de cima, a de baixo a do meio) ou departamentos estanques em uma
empresa ( a direção, os recursos humanos, a limpeza), separando-as por graus de
importância que lhes emprestamos aleatoriamente. Assim, também, separamos e
rotulamos as manifestações da violência social (violência na família, crime organizado,
crimes contra o patrimônio, violações dos direitos humanos, violações dos
direitos internacionais). Nenhum desses rótulos nos ajudam a ter uma visão
clara e integrada dos fatores causais desses fenômenos, portanto não nos
permitem elaborar e empreender ações que atinjam com eficácia desejada esses
problemas. Apesar das tentativas no “compreender e organizar” das sociedades
que se autointitulam de civilizadas, muito pouco conseguimos no século passado
e, pelo jeito, continuamos a repetir os erros antigos nesse século. Nos
habituamos a aceitar os rótulos que criamos sem conecta-los entre si e sem
compreendermos quais as razões da sua permanência e do seu agravamento. As
“providências” que são tomadas pelas autoridades do Estado apenas arranham a
superfície dos problemas ao se restringirem a planos operacionais e a remendar
leis que já não funcionam.
- A natureza humana e o multiculturalismo:
Nós os brasileiros continuamos com o hábito colonizado de
copiar modelos de outros paises como meros consumidores alienados. Somos uma
nação mestiça e temos um acervo originado de diferentes outros povos, portanto
somos resultado de experiências diversas, mas nunca nos interessamos em compor
uma unidade que contenha toda a soma de vantagens da mestiçagem que nos é benéfica.
Nossa identidade como nação não é valorizada como povo pacifico, alegre e
criativo. Dizem alguns dirigentes que no futuro poderemos ser uma grande
potência do planeta. Para mim a grande potência é aquela que consegue extirpar
a violência do convívio, introduzindo sentimentos e pensamentos coletivos, para
alcançar a paz e a alegria na vida dos
indivíduos.
Sobre a natureza humana, desde 1971 sigo com admiração e
respeito o que aprendi como a sabedoria máxima. Essa sabedoria foi extraída de
práticas ianomâmi e percebidas pelo etnólogo francês Pierre Clastres. Traduzida
em palavras poderia ser compreendida assim: “A natureza humana é por demais
frágil e nunca conseguirá lidar de forma equilibrada com grande volume de
poder”. Para mim isso explica porque sistemas de organização político-sociais
civilizados, tentados desde o início da civilização, nunca conseguiram, através
dos tempos, manter em harmonia a convivência pacífica interna dentro das sociedades e as relações
externas com outras sociedades diferentes. As relações internacionais no mundo
atual continuam fazendo a mesma coisa.
Comportamento reativo e comportamento violento são
sinônimos. As organizações dos estados nacionais são apenas tentativas de
manter as relações sociais com o mínimo de conflito. Por enquanto são só
tentativas.
É possível contar nos dedos, após invasão e saque de
povos europeus em nossa terra, quantos conflitos internos e externos, de grande
porte, tivemos nesses quinhentos anos. Disso podemos nos orgulhar.
Um breve histórico dos passos que
foram seguidos
Srs.
senadores e senadoras, para atender a curiosidade de alguns dos senhores que
poderiam perguntar como cheguei a essas conclusões, passo a resumir alguns
fatos que influenciaram minha caminhada e me fizeram chegar as respostas
atuais.
Na
infância e adolescência:
Não
projetei o que iria acontecer no futuro. Foi a observação dos comportamentos
reativos violentos que prenderam minha atenção.
Na
universidade e no hospital psiquiátrico:
Na
convívio com grupos indigenas:
Na
convívio com menores infratores:
Na
convívio com pacientes em consultório:
Idéias para:
TV Senado:
********************************
Prezado (a) senador (a)
Acompanho a vida política no Brasil desde 1963. Há
três anos sou assíduo observador da TV Senado, TV Câmara e TVs educativas.
No seu ultimo pronunciamento sobre a saída do Zé
Dirceu da casa civil, concordo plenamente com a sua conclusão objetiva e
inteligente de que o truque usado pelo governo, tentando desviar o foco da
crise para longe da pessoa do presidente, é clara e perceptível para muitos
cidadãos. Não é necessário ser um parlamentar experiente para perceber certas
estratégias políticas usadas por muitos representantes dos três poderes da República.
No caso do PT fica visível a postura fundamentalista
dos seus principais lideres, tanto no parlamento como no executivo. Pergunto: a
prioridade é a expansão sem limites do PT ou a solução dos problemas
brasileiros?
Não considero o presidente Lula um brasileiro melhor
do que todos nós; não votei nele porque percebi que suas promessas estavam além
das possibilidades de um mortal, quero dizer, que eram compatíveis com o padrão
delirante de certos políticos nas épocas pré-eleitorais; não votei nele também
porque percebi que o partido que liderava não era (como ainda não é) um partido
político. Considero o PT um amontoado de pessoas ávidas pelo poder e pelas
oportunidades que o poder propicia a brasileiros-parasitas. O fanatismo e a
dissimulação não constroem um País.
É meu direito considerar que os chavões ideológicos
de “esquerda” e “direita”, ainda utilizados e acreditados por muitos, já estão
devidamente sepultado pela historia desde que a ex-união soviética desmoronou e
o “capitalismo” continua desmoralizado pelos fatos que gera. Parece, porém, que
métodos ultrapassados continuam movendo o comportamento da maioria dos lideres
no “mundo civilizado”.
Gostaria de saudá-la, muito mais pelo conteúdo ético
e generoso das suas ações, do que pela combatividade já conhecida e certamente
determinada pela sua consciência.
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